Atualização do clero: sinodalidade, comunicação e conversão
O clero da Diocese de Campo Limpo esteve em Aparecida (SP) entre os dias 13 e 16 de fevereiro para a realização do encontro anual de Atualização Teológico-Pastoral. Neste ano, três temas interligados nortearam o encontro: sinodalidade, comunicação e conversão pastoral.
A temática foi proposta por Dom Valdir José de Castro, ssp, bispo diocesano, que assumiu o governo pastoral da Diocese em 26 de novembro de 2022. Após uma consulta realizada nos encontros com o clero nos meses de outubro e novembro, os três temas foram aprovados pelo padres.
Houve uma expressiva participação do clero na atualização: estiveram presentes Dom Valdir e Dom Luiz, 112 padres, entre diocesanos e religiosos, 6 diáconos transitórios, além de 4 seminaristas que já concluíram seus estudos e se encontram no ano pastoral.
Para abordar os diferentes temas, os padres contaram com a assessoria de cinco palestrantes, especialistas nos assuntos apresentados, incluindo o próprio bispo diocesano. Além das palestras, houve momentos para reflexão em grupo acerca dos temas apresentados, partindo de perguntas propostas. Este espaço deu a oportunidade aos padres para apresentarem sugestões, críticas, desabafos e reflexões, proporcionando participação e iteração com a temática do encontro e mesmo com as possibilidades do caminho que a Diocese deseja trilhar.
Os temas se revelaram norteadores para os desafios pastorais da Diocese, em conformidade com o que a Igreja tem incentivado no mundo inteiro. “São três temas que desejamos integrar. São temas que são interligados e formam, penso, as condições para que a gente possa caminhar juntos como discípulos missionários de Jesus em vista da missão”, afirmou Dom Valdir no início do encontro.
Aniversariantes
Além dos momentos formativos, a semana também foi ocasião para comemoração. Dom Valdir comemorou seu aniversário natalício no dia 14 de fevereiro, terça-feira. No dia seguinte, foi a vez do diácono transitório Lucas Barboza comemorar mais um ano de vida.
A abertura
Dom Valdir abriu o encontro na tarde do dia 13, agradecendo a presença de todos: “agradeço a participação de cada um. Eu sei que todos têm compromissos, trabalhos e mesmo assim vieram. Responderam este convite e vieram, não para mim, não para me agradar, mas para a Diocese. É para esta porção do Povo de Deus do qual nós somos corresponsáveis”. E acrescenta: “eu vejo este momento não só como momento de receber conteúdos, mas um momento de partilhar”.
Em seguida, Dom Valdir lança os motivos pelos quais os temas do encontro foram escolhidos: “A pergunta que eu faço para mim e para todos é: Que diocese nós queremos? Que Diocese nós buscamos?”. Em seguida, pondera que já há um caminho percorrido anteriormente que deve ser levado em consideração para os futuros passos: “Estamos aqui não começando um caminho, mas dando continuidade a um caminho já iniciado. Trinta e quatro anos de história a Diocese tem e antes ainda era a região episcopal Itapecerica da Serra”.
A pergunta que eu faço para mim e para todos é: Que diocese nós queremos? Que Diocese nós buscamos?
O bispo diocesano apresentou ainda a relação existente entre os três temas: “nós fazemos o caminho sinodal. Não existe caminho sinodal sem comunicação. Comunicação com Deus e comunicação entre nós. As vezes o caminho sinodal empaca porque temos problemas de comunicação e não entramos nestes problemas. E para este caminho, necessitamos de conversão, afinal não somos perfeitos. Uma conversão que nos leve a caminhar juntos com uma boa comunicação”.
Sinodalidade: caminho para a Igreja
A sinodalidade foi o primeiro tema a ser abordado no encontro do clero. O tema está em evidência na Igreja, após o Papa Francisco convocar o Sínodo sobre a Sinodalidade – iníciado em outubro de 2021 e com conclusão prevista para outubro de 2024 –, compreendo fases de escuta do Povo de Deus nas dioceses e em outras instâncias da Igreja.
A temática foi introduzida pelo bispo da Diocese de Santo André, Dom Pedro Carlos Cipollini. Dom Cipollini é também presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Para chegar à ideia de sinodalidade, Dom Pedro partiu das possibilidades abertas pelo Concílio Vaticano II que, embora não tenha tratado do tema, abriu caminho para uma Igreja Sinodal. O bispo recordou a noção de igual dignidade dos batizados, que permite a todos possuírem seu espaço e voz dentro da Igreja, uma vez que a “totalidade dos fiéis da Igreja recebe a unção do Espírito Santo”.
Qual é a Igreja verdadeira? É aquela que você pisa, onde você está. A Igreja que você tem não é a que está na China ou Europa, é onde você está. É ali que você deverá viver esta comunhão.
A própria Igreja, recorda Dom Pedro, tem sua origem e fim no próprio mistério da Santíssima Trindade, uma verdadeira e perfeita comunhão, sendo a primeira referência de como deve ser a própria Igreja: “Na koinonia (comunhão) funciona assim: se o outro perde, eu perco também. Não há razão para ter briga ou divisão”, aponta o bispo.
O amor pela Igreja diocesana também foi destacado como elemento primordial: “Qual é a Igreja verdadeira? É aquela que você pisa, onde você está. A Igreja que você tem não é a que está na China ou Europa, é onde você está. É ali que você deverá viver esta comunhão”.
Os leigos também foram lembrados como aqueles que muito podem contribuir em diversos âmbitos da vida da Igreja e não podem ser vistos apenas como espectadores. Mesmo na dinâmica do ensinar-aprender, os leigos têm algo a ensinar: “os leigos sempre têm alguma coisa para ensinar. Muitas vezes temos a mentalidade de que só nós sabemos pois estudamos”.
O segundo momento sobre a sinodalidade teve como assessor o padre Humberto Robson de Carvalho, da Arquidiocese de São Paulo e autor da obra ‘Diocesaneidade, esponsalidade e incardinação’, além de outros livros na área de catequese e espiritualidade.
Logo no início, o padre deu o tom de sua reflexão sobre o ministério presbiteral em relação à sinodalidade: “os padres devem ter um estilo profético de vida. Passar de senhores da fé a servidores da alegria”.
Padre Humberto apontou como sendo necessária a vivência de uma verdadeira ‘diocesaneidade’ por parte dos presbíteros para que o movimento de caminhar juntos aconteça. O termo diocesaneidade, embora pareça difícil até mesmo de ser pronunciado, quer indicar o sentido de pertença e amor à diocese na qual o padre está exercendo seu ministério. Neste sentido, significa que todos os padres devem valorizar o que existe na sua Diocese e, com seu ministério dons e, ajudar a Igreja diocesana a ser edificada, sendo corresponsáveis.
Padre Humberto ressaltou como a formação dos futuros padres no seminário deve incluir a diocesaneidade como elemento que os tornará presbíteros que amem sua diocese.
Mesmo entre o próprio clero é necessário entrosamento, amizade e comunhão. Padre Humberto destacou a necessidade dos encontros frequentes dos padres entre si: “Os padres precisam se encontrar não apenas para resolver questões de pastoral, mas para conversar, partilhar a vida, um almoço, uma atividade esportiva. Tem coisas que só nós padres entendemos”.
Comunicação, eixo transversal
O irmão paulino Darlei Zanon deu continuidade à formação do clero apresentando a temática da comunicação. Darlei atualmente é diretor editorial da Paulus no Brasil e é mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação. Autor de diversos livros, entre eles Comunicar o evangelho (2021) e Igreja e Sociedade em Rede (2019).
Na primeira de duas colocações, Darlei apresentou a comunicação dentro da história da Igreja, ressaltando uma relação nem sempre amistosa: “a história da Igreja mostra esse panorama longo e complexo com a comunicação, com seus momentos altos e baixos, com maior e menor entusiasmo”. Tal história com a comunicação passa por quatro períodos diferentes: oral, escrito, visual e digital.
No segundo momento, a dinâmica das redes sociais e a presença da Igreja foram o assunto também debatido juntamente com os padres: “Como passar de uma simples conexão para uma presença que cria relações”. Em sua reflexão, Darlei indicou a necessidade de relações nas redes e não uma simples presença pautada pela divulgação fria de informações. Neste sentido, lembrou o caminho que o Papa Francisco tem percorrido em termos de comunicação, estimulando uma comunicação interpessoal que valorize o encontro e a escuta.
Darlei procurou situar os padres acerca das transformações que a era digital tem provocado no mundo, nas relações e na comunicação. O filósofo italiano Luciano Floridi foi citado como autor de um novo conceito, o onlife: “Hoje no mundo da comunicação também existe a noção de onlife. Normalmente falamos de online e offline. Hoje no mundo da comunicação não existe mais aquilo que é estritamente online ou offline. Existe o onlife, onde as atividades dos dois ambientes se confundem”.
A questão principal é essa: o que está no centro? O que está no centro da nossa presença nas redes? É o Evangelho, é Cristo ou é a própria pessoa?.
Explorando o tema, apontou algumas características desta comunicação digital: o ofuscamento entre o que é online e o que é offline, passagem da escassez de informação para a abundância de informações. “Hoje temos uma overdose de informação que as vezes até nos saturamos. Hoje, por exemplo, a maioria das pessoas leem somente os títulos das notícias”.
Gradualmente, a vida hiperconectada tem provocado mudanças nas relações e nos diversos ambientes da vida: “Nos Estados Unidos, um terço dos casamentos nascem a partir de contatos realizados pela internet”, aponta o frei.
Quanto aos cristãos, seu papel nas redes e neste contexto de mudança devem ser bem considerados: “Hoje se fala muito de influencer, mas nós somos evangelizadores. Influencer é quem influencia, de certo modo manipula, um pouco diferente do objetivo do pastor, do sacerdote, do religioso, do comunicador católico. Superar essa questão do narcisismo, da autoreferêncialidade nas redes sociais, porque a questão principal é essa: o que está no centro? O que está no centro da nossa presença nas redes? É o Evangelho, é Cristo ou é a própria pessoa?”, questiona.
Paulo apóstolo, artífice de comunhão
Padre José Bortolini foi o responsável por apresentar a figura de São Paulo como aquele que cria pontes em diversos ambientes, mesmo naqueles mais adversos. Padre Bortolini é membro do clero da Diocese de Campo Limpo e vigário paroquial da paróquia Santa Suzana. Entre suas muitas obras e contribuições, destacam-se seus livros na área bíblica e sua participação na edição da Bíblia de Jerusalém.
São Paulo foi apresentado como modelo de evangelizador destemido ao fazer o Evangelho alcançar povos e culturas distantes: “Se vocês querem uma Igreja em saída, busquem em Paulo. Não fosse por Paulo, movido pelo Espírito, o cristianismo teria morrido como um ramo estéril do judaísmo”, ressalta padre Bortolini.
O apóstolo é modelo de missionário por levar o Evangelho considerando as características da cultura local ao falar às pessoas a partir dos elementos locais. Neste sentido, Paulo não impunha um pacote acabado de doutrinas, mas anunciava Jesus Cristo a partir do encontro com as pessoas: “Quase sempre Paulo prioriza o contato pessoal na dinâmica da vida das comunidades. Antes das cartas, vieram o contato com as pessoas”.
Sobre a sinodalidade, também Paulo é apresentado como referência: “se vocês querem um exemplo de alguém que trabalhou junto, que coordenou trabalhos e esforços e travou uma luta árdua para o anúncio da Palavra de Deus, essa pessoa é Paulo”.
Conversão pastoral
Concluindo o encontro, a última colocação da semana de atualização ficou a cargo do bispo diocesano, Dom Valdir José de Castro, ssp, com o tema da conversão pastoral. Ligando os temas abordados, Dom Valdir sintetizou o caminho realizado ao longo da atualização, mostrando a profunda relação entre os diversos assuntos abordados.
Logo no início, Dom Valdir lembrou o sentido de conversão, aquela que parte de uma verdadeira mudança de mentalidade, do mais profundo do coração. Pela conversão pessoal e consequentemente pastoral, os anseios por mudanças podem se concretizar. Neste sentido, a sinodalidade deseja pela Igreja necessita não somente de planos estruturados, mas de conversão.
Esta conversão e desejo de caminhar juntos passa pela comunicação, como considera Dom Valdir: “muitos conflitos nascem porque a gente não escuta ou escuta mal”. E esta comunicação deve ser pautada pelas boas relações, com o discernimento sobre a forma de se comunicar com o outro: “as vezes a dimensão instrumental da comunicação as vezes impede a nossa comunicação com o outro. A gente usa um e-mail quando na verdade a gente deve ir lá conversar com a pessoa”.
Dom Valdir apresentou três características necessárias para uma verdadeira comunicação interpessoal que gere frutos, fraternidade e real aproximação: humildade, amor e perdão. “Humildade, amor e perdão. Sem perdão não há caminho sinodal. A Igreja não é a comunidade dos perfeitos, mas dos pecadores perdoados em busca de perdão”, destacou o bispo ao final de sua colocação.
Como último instante, os padres puderam manifestar suas opiniões sobre os caminhos a serem percorridos pela Diocese, as prioridades e as dificuldades a serem superadas. Mais do que um resultado imediato ao encontro, certamente a atualização teológico-pastoral mostrou-se uma oportunidade de partilha e aproximação do clero diocesano.