Caminhada pela Vida e pela Paz reúne centenas em defesa do fim da violência contra mulheres
No dia de Finados, em 2 de novembro, centenas de pessoas peregrinaram até o Cemitério São Luiz, no Jardim Casa Blanca, para participar da 29ª Caminhada Pela Vida e pela Paz, cujo tema este ano foi o fim da violência contra meninas e mulheres. A caminhada, que teve início em 1995 com o incentivo dos padres Nicolau Bakker, SVD e Jaime Crowe – falecido e lembrado ao longo do percurso –, foi criada para defender a vida. Na época, os padres atuavam na região conhecida como Triângulo da Morte (Capão Redondo, Jardim Ângela e Parque Santo Antônio), onde, segundo o Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP), em 1995 houve 1.891 mortes de jovens entre 15 e 24 anos.
A cada edição, alguns elementos permanecem: a distância percorrida, as reivindicações, e a cor branca que todos os participantes fazem questão de usar. “Faço questão de participar todos os anos. Quem viveu a experiência de ter um parente assassinado jamais esquece. Enquanto eu puder andar, estarei aqui”, revela Eugênia, de 74 anos. Apesar das dificuldades, ela marchou do início ao fim, desafiando o calor e as ladeiras do bairro. Muitos dos participantes, agora adultos, recordam que a mobilização pela paz nasceu dentro das comunidades católicas da região. Um desses grupos é o da comunidade Santos Mártires, de onde saiu um grande número de pessoas, cantando músicas de protesto, como "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, e carregando cartazes contra a violência.
Em 1996, o Jardim Ângela foi considerado pela Organização das Nações Unidas como o bairro mais violento do mundo. Várias guerras ocorriam ao redor do planeta, mas o número de mortes violentas apenas nessa região da cidade de São Paulo era ainda maior. Com a caminhada, a comunidade buscou, desde a primeira edição, mostrar a realidade de um povo lutador, que ansiava pelo fim da violência. Neste ano, pela primeira vez, o evento contou com o patrocínio da Caixa Econômica Federal. O apoio financeiro permitiu a distribuição de camisetas, água e o folheto com a narrativa de um grave caso de violência ocorrido em 2024 na região e a indicação da rede de acolhimento às mulheres vítimas de violência da cidade.
A repercussão da caminhada ao longo dos anos atraiu a atenção das autoridades, que passaram a ser pressionadas a implementar políticas públicas de segurança, assistência, saneamento, moradia, saúde e educação nos bairros mais atingidos pela violência. A caminhada também manteve outra tradição: carregar cruzes onde são afixados pequenos pregos para que os participantes, em um ato de solidariedade e oração, amarrem fitas brancas com os nomes de vítimas da violência.
Embora organizada por católicos, a caminhada é ecumênica e recebe a adesão de grupos cristãos, movimentos estudantis, defensores de direitos humanos e líderes de religiões de matriz africana, unidos pela busca do bem comum. A pastora Ivone Santana Fernandes, da Igreja Apostólica Brasil África, no Parque Arariba, e seus fiéis sempre aderem aos movimentos e apelos em prol da sociedade. “Muita coisa conseguimos com essa união de forças, que começou com a juventude católica, e ganhou força com tantos irmãos e irmãs que, mesmo de outra fé, desejam paz, respeito e dignidade”, diz Maria Edite, que completou o trajeto com um cartaz pedindo o fim da violência. Ela destaca as palavras do Papa Francisco, que reforça que todas as religiões são um caminho para Deus.
Três grandes grupos partiram de diferentes pontos de encontro. Às 8h, um grupo saiu da Sociedade Santos Mártires, ponto de partida da primeira edição; outro saiu do CDHEP, próximo à Estação Capão Redondo do metrô; e o terceiro saiu do CEU Casa Blanca, na Vila das Belezas. Antes da saída, em frente a paróquia Santos Mártires, padre Eduardo McGettrick, missionário irlandês que evangeliza há 50 anos no Brasil e trabalhou por décadas com o padre Jaime, rezou com os presentes e abençoou a caminhada. Durante o trajeto, os caminhantes que saíram da Santos Mártires, o trajeto mais longo, pararam ainda na Matriz da paróquia Santo Eugênio para hidratação e todos receberam o incentivo e envio do padre Carlos Francisco Lucena. Durante a caminhada, foram feitas outras paradas para hidratação, e em uma delas, em frente a Unidade Básica de Saúde Thomas, com água cedidas pela Associação Comunitária Monte Azul, foi relatada a trágica história de Márcia da Silva Soares, de 30 anos, mãe de dois filhos e moradora do Capão Redondo, assassinada e esquartejada em janeiro deste ano. Regina Paixão, integrante do Fórum em Defesa da Vida, expressou indignação por ser um caso pouco divulgado, mesmo sendo tão bárbaro, e chamou atenção para a violência sofrida por muitas mulheres, em todos os espaços e que é preciso dar um basta, começando por cada um de nós.
Os dados são alarmantes: segundo o Movimento de Mulheres Olga Benário em 2023, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio e 258.900 sofreram agressões de seus parceiros no Brasil. Ao meio-dia, os grupos se reuniram para os metros finais da caminhada, embalados pela canção "Traga a Bandeira de Luta", de Pedro Oliveira da Silva, o Pedro Cidadão, um compositor e ativista da Pastoral da Juventude, que faleceu em 2023.
No cemitério, os participantes foram recebidos por um palco com faixas e um sistema de som, onde lideranças religiosas discursaram em favor dos mais pobres e marginalizados e uma carta manifesto foi lida e entregue para as autoridades presentes - além dos diversos parlamentares, esteve presente o Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. O cemitério, que nas primeiras edições da caminhada estava em condições precárias, hoje apresenta um cenário mais organizado e humanizado, testemunhando o progresso da comunidade e sua luta pela dignidade.
Após a amarração das fitas nas cruzes, padre Gabriel José Jacinto, pároco da paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, que percorreu o trajeto desde a Santos Mártires, fez um discurso sobre paz e coletividade, incentivando os participantes a serem "profetas da esperança". (com informações de Regina Paixão e Thiago Donnini)
Em fevereiro, nasceu na Sociedade Santos Mártires, o Fórum em Defesa da Mulher, as reuniões acontecem toda segunda sexta-feira do mês, das 09h às 12h. (Endereço: Rua Luís Baldinato, 09 – Jd. Ângela)
Denuncie: Central de Atendimento à Mulher, ligue 180; Guardiã Maria da Penha, ligue 153; Polícia Militar, ligue 190; Centro de Defesa da Mulher Casa Sofia - M' Boi Mirim : 11 5834-6487 ou 95051-4875; Casa da Mulher Brasileira, ligue 3275-8000; Delegacia da mulher, ligue 11 5667-4004; Centro de Defesa da Mulher “Mulheres Vivas” Campo Limpo, ligue 11 5842-6462 e Centro de Referência da Mulher, Capão Redondo, ligue 11 5524-4782.