Atualização Teológica reúne clero da Diocese de Campo Limpo em Águas de Lindoia
Entre os dias 24 e 27 de fevereiro, o clero da Diocese de Campo Limpo participou do encontro anual de Atualização Teológico-pastoral, realizado na cidade de Águas de Lindoia (SP). O evento, que já é tradição no calendário diocesano, proporcionou momentos de formação, reflexão e convivência entre os membros do clero da Diocese.
Dom Valdir abre encontro com reflexões sobre cuidado e missão
Na abertura do encontro, ao apresentar os temas que seriam abordados, Dom Valdir José de Castro, ssp, destacou a importância do cuidado com a saúde integral dos presbíteros. "Cuidar de nós para que possamos cuidar do povo", afirmou o bispo, citando a passagem dos Atos dos Apóstolos (20,28): "Cuidem de vocês mesmos e de todo rebanho, pois o Espírito Santo os constituiu como guardiães para apascentarem a igreja de Deus que ele adquiriu para si com o sangue do seu próprio filho".
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O bispo também chamou a atenção para a preparação do 7º Plano Diocesano de Evangelização: "Penso que a pergunta não é para onde nós vamos, mas é para onde o Espírito Santo quer que a gente vá", refletiu Dom Valdir, convidando os padres a um exercício de discernimento, reflexão e oração.
Ele lembrou ainda de sua carta pastoral de 2023, que já trazia alguns aspectos fundamentais para o caminho diocesano: "a alegria de evangelizar", a sinodalidade como forma de caminhar, a comunicação necessária para caminhar juntos e a conversão pessoal e pastoral.
Dom Cipolini compartilha reflexões sobre a sinodalidade
Um dos destaques do encontro foi a palestra ministrada por Dom Pedro Carlos Cipolini, Bispo da Diocese de Santo André, que compartilhou suas experiências e reflexões sobre o tema "Implicações Teológicas e Pastorais da Sinodalidade na Igreja", com base no Documento Final do Sínodo dos Bispos.
Como um dos cinco representantes da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que participou do Sínodo em Roma, Dom Cipolini ofereceu um olhar privilegiado sobre o processo sinodal e seus desdobramentos. "A sinodalidade não é um fim em si mesma, visa a missão que Cristo confiou à Igreja no Espírito. Evangelizar é a missão essencial da Igreja", destacou o bispo, citando o documento sinodal.
Durante sua exposição, Dom Cipolini enfatizou três premissas fundamentais para compreender a sinodalidade: as estruturas sinodais já existentes na Igreja (conselhos pastorais, econômicos e presbiteral), a necessidade de criar uma cultura da sinodalidade, e a valorização do batismo como fonte da dignidade fundamental de todos os membros do Povo de Deus.
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O bispo destacou ainda que o clericalismo representa um dos principais desafios à implementação de uma verdadeira cultura sinodal. "O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial", explicou, enfatizando que tal postura contraria a essência do ministério ordenado, que deve ser exercido como serviço e não como poder.
O bispo também comentou sobre as dez comissões criadas pelo Papa Francisco para estudar temas que não alcançaram consenso no Sínodo, como a reforma do Direito Canônico para tornar obrigatória a existência dos Conselhos de Pastoral Paroquial, a revisão da formação presbiteral, e a questão da participação das mulheres na Igreja.
"A sinodalidade é, antes de tudo, uma disposição espiritual que permeia a vida cotidiana dos batizados e todos os aspectos da missão da Igreja", finalizou o bispo, citando o parágrafo 43 do documento final do Sínodo.
Padre Gilvan Leite aprofunda a teologia da esperança
Na sequência, o padre Gilvan Leite de Araújo, doutor em Teologia Bíblica e professor da PUC-SP, apresentou uma reflexão profunda sobre o conceito de esperança na Bíblia e sua evolução através da história de Israel e do cristianismo.
Em sua exposição, Pe. Gilvan analisou como o tema da esperança se desenvolve ao longo da narrativa bíblica. O biblista explorou as crises de fé e esperança em personagens como Samuel e Elias, que enfrentaram momentos de devastação e abandono; Rute, Tobias, Jeremias e Jó, demonstrando como a graça divina se manifesta em meio às desgraças.
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Um dos pontos centrais da palestra foi a distinção entre a esperança no Antigo e no Novo Testamento. "No cristianismo, a garantia da salvação não reside no cumprimento da lei, mas na graça e na redenção através de Cristo e na ação do Espírito Santo, contrastando com a noção de uma esperança por direito presente no Antigo Testamento", destacou Pe. Gilvan.
Aplicando esta reflexão teológica à vida sacerdotal, o professor abordou desafios enfrentados pelo clero, como estresse e a dicotomia entre vocação e função.
Gabriel Perissé: o abuso espiritual e a manipulação invisível
No terceiro dia, o encontro contou com a presença do professor Gabriel Perissé, escritor, pesquisador e professor. Perissé é autor de diversos livros, entre eles "Abuso Espiritual: a manipulação invisível", obra que foi o tema central de sua palestra no encontro. Este livro, publicado pela Editora Paulus, tem ganhado destaque por ser uma das primeiras obras em português a abordar o tema do abuso espiritual no contexto religioso brasileiro.
Perissé explicou que o abuso espiritual funciona como um "guarda-chuva" sob o qual se abrigam outros tipos de abusos em contextos religiosos. "O abuso espiritual é a matriz de outros abusos como o abuso de poder, abuso de consciência e até mesmo o abuso sexual, pois este último é sempre preparado pelo abuso espiritual", afirmou.
Um dos pontos destacados pelo palestrante foi a sutileza da manipulação espiritual, que muitas vezes não é percebida pela própria vítima. "É o crime perfeito. A pessoa não percebe que está sendo manipulada", explicou Perissé, comparando o abusador a um "hacker" que acessa o centro do sistema operacional mais profundo da pessoa, onde se dá o encontro único e exclusivo com Deus.
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O professor também relacionou o clericalismo como uma das principais eclesiopatias produtoras de abuso espiritual. "O clericalismo é sentir-se superior aos outros por alguma razão. O problema é quando uso a relação assimétrica a meu favor para destruir o outro, para rebaixar o outro", destacou.
O autor enfatizou que a solução para o problema do abuso espiritual não virá apenas de decretos e normas, mas de uma conversão pessoal e institucional. "Não dá para tirar a cultura do abuso se não houver uma conversão pessoal e aí institucional", concluiu, convidando os participantes a um exame de consciência e ao discernimento sobre suas próprias práticas pastorais.
Panorama sociodemográfico da Diocese
O padre Alessandro de Carvalho Faria, pároco da paróquia São Francisco e Santo Estevão e graduado em Ciências Sociais pela USP (Universidade de São Paulo), apresentou um detalhado estudo sobre a realidade sociodemográfica da Diocese de Campo Limpo, abordando questões fundamentais para auxiliar o planejamento pastoral.
A partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o padre apresentou informações sobre a população dos municípios e regiões que compõem a diocese, revelando que o território diocesano abrange 1.500 km² e conta com cerca de 2,2 milhões de habitantes. Destes, aproximadamente 1,44 milhão estão no território que pertence à cidade de São Paulo, enquanto os demais municípios somam cerca de 760 mil habitantes.
Um dos aspectos mais destacados foi a urbanização do território diocesano. Municípios como São Paulo e Taboão da Serra possuem 100% de taxa de urbanização, o que significa a ausência total de zonas rurais. "Nossa diocese não produz mais nada. Quase não tem produção agrícola, existe um pouquinho de produção familiar em Juquitiba e São Lourenço", afirmou.
O padre também apresentou dados sobre a densidade demográfica, mostrando áreas como Taboão da Serra com cerca de 14 mil habitantes por km², situação que gera desafios como acúmulo de lixo, propagação de doenças e dificuldades de transporte. "Essa densidade é um problema. É sinal de desenvolvimento, mas é sinal de desenvolvimento desordenado ou, portanto, subdesenvolvimento", ponderou.
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Ao tratar da estrutura eclesial, o padre apresentou a evolução histórica das paróquias, desde a criação da primeira em 1785 (Embu das Artes) até as atuais 112 paróquias. A apresentação concluiu com dados sobre o clero atual, a vida religiosa feminina e os principais desafios pastorais, preparando assim o terreno para as discussões sobre o 7º Plano Diocesano de Evangelização.
Encaminhamentos para o 7º Plano Diocesano de Evangelização
A última parte do encontro foi dedicada aos encaminhamentos para a elaboração do 7º Plano Diocesano de Evangelização da Diocese de Campo Limpo. Após as reflexões teológicas e a análise da realidade diocesana, o clero foi convidado a dar os primeiros passos concretos no processo de planejamento pastoral.
Dom Valdir iniciou apresentando as bases para o novo plano: "Somos chamados a estar presentes como Igreja em saída, numa diocese marcada por um povo que tem sede do Evangelho, sede de Deus, mas também marcada por sinais de degradação humana e ambiental", afirmou o bispo, destacando a necessidade de renovação da ação evangelizadora.
O Padre Ezaques, Coordenador Diocesano de Pastoral, apresentou a proposta de formação de uma equipe que será responsável por coordenar todo o processo de elaboração do plano. "Esta equipe não será responsável por criar o plano, mas por organizar o caminho, fazer as propostas chegarem às comunidades e depois recolher as contribuições", explicou. Durante o momento de partilha, diversas sugestões foram apresentadas pelos padres.
O encontro de Atualização Teológica, para além de seu conteúdo formativo, tem sido um espaço de comunhão e fraternidade entre os presbíteros da Diocese de Campo Limpo.