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Livro de Ezequiel

A Igreja hoje: "Porei em vós meu espírito e viverei"

O Mês da Bíblia, promovido pela Comissão Episcopal para a Animação Bíblico-Catequética, traz reflexões a respeito do Livro de Ezequiel para as comunidades de todo o Brasil e o padre Arthur Carvalho, escreveu sobre o profeta da esperança.
 |  Pe. Arthur Carvalho Moraes  |  Diocese

No ano de 2024, a Igreja no Brasil apresenta o livro do Profeta Ezequiel para dinamizar o mês bíblico (mês de setembro). Com o lema “Porei em vós meu espírito e vivereis” (Ez 37,14), as comunidades cristãs são convidadas a tomar os escritos de Ezequiel como apelo para a caminhada rumo ao ano jubilar da Esperança. Com razão, Ezequiel pode ser tido como um profeta da esperança, portando uma mensagem consoladora em um dos momentos históricos mais dramático para o povo de Israel, qual seja, o exílio da Babilônia. 

No ano de 598/7 a.C., o império babilônico invade Judá e promove o primeiro cerco à capital Jerusalém. Parte do povo é, assim, exilado à Babilônia, entre os quais se encontravam o rei de então, Joaquin, e o jovem Ezequiel (cf. 2Rs 24,8-17). Anos mais tarde, em 586 a.C., o império babilônico invade uma vez mais Jerusalém, destruindo o Reino de Judá por completo e deportando o restante do povo (cf. 2Rs 25). Esse segundo marco temporal se reflete na profecia de Ezequiel (exercida com os exilados, entre os anos 593 a 571, cf. Ez 1,2 e 29,17), separando um tom mais condenatório do começo de seu ministério (Ez 4-32) de uma mensagem de cunho mais consoladora e esperançosa de seus oráculos finais (Ez 32-48).

A riqueza e extensão do livro de Ezequiel é explicada pela posição privilegiada que ocupa diante do povo, acumulando as funções de profeta e sacerdote (ao menos, é filho de sacerdote - cf. Ez 1,3).  Por ter recebido instrução para ser sacerdote, Ezequiel mostra um domínio legislativo grande, assim como acerca do templo, dos sacríficos, dos ritos e do culto. Por outro lado, como profeta em ação, Ezequiel multiplica seus gestos simbólicos: cheio de visões, êxtases enigmáticos e parábolas, combinando, em um misto de realidade e sonho. Tudo isso reflete em uma personalidade muito marcante do profeta – “eloquente, inteligente, expressiva e impactante”, misturando oráculos proféticos com reflexões legais, sermões prolixos com representações dramáticas (mímicas), descrições históricas com alusões mitológicas, prosa com poesia.

A primeira parte do livro de Ezequiel (1-32) se preocupa, no geral, em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahweh. Concorda, assim, com a tradição profética de que o exílio na Babilônia se deve pela infidelidade do povo à aliança (cf. Is 10, Jr 4-6 e Ez 17), tratando as violações como atos de adultério e prostituição (cf. Os 2; Jr 2; Ez 16,23) e encarando a Babilônia como um instrumento de correção divina (Jr 29; Ez 4,21). 

Na segunda parte, quando já todo o povo estava exilado (até os mais pobres) e a capital Jerusalém estava em destroços, Ezequiel encontra-se diante de pessoas sem esperança, “nossos ossos estão secos, nossa esperança acabou, estamos perdidos” (Ez 37,11). Aqui, Ezequiel muda o tom: profetiza que Deus mesmo será o pastor do povo, não os falsos-pastores que cuidavam apenas de si mesmo (Ez 34); anuncia que Deus, em razão de seu nome Santo (Ez 36,21), dará um coração novo ao povo, tirando o coração de pedra e dando-lhe um de carne (Ez 36,26-27); promete, à semelhança de Jeremias (Jr 31,31-34), que Deus fará uma nova aliança com seu povo (Ez 34,25 e 37,26): “sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus” (Ez 36,28, cf. Ex 6,7). Sem suas profecias finais, Ezequiel confia na intervenção e julgamento do Senhor, que criaria um novo céu e uma nova terra, restaurando o novo templo em Jerusalém (Ez 40-48) 

No cap. 36, após amaldiçoar os inimigos de Judá (representados por Edom), Ezequiel traz uma larga benção de Deus à terra de Israel: Israel voltará a ser frutífera não apenas em colheitas, mas em população: “As cidades serão habitadas e as ruínas reedificadas [...] Farei que sejais habitados como antes e vos assegurarei condições melhores do que as de outrora” (36,1-11).

Mas nenhuma passagem melhor sintetiza a missão de Ezequiel na segunda fase de sua missão profética como a visão dos ossos ressequidos, presente em Ez 37,1-14. Os ossos espalhados pelo solo – e bastante secos –  representam Israel morto, destruído pelo inimigo (Babilônia), caído sob sua própria desesperança e desgraça. Mas Ezequiel profetiza que Deus enviará o seu Espírito, não só ao íntimo de cada um (37,27), mas ao povo em conjunto, restaurado à vida por obra de Deus.

A frequente repetição da palavra espírito - ‘ruah’ (vv. 1.5.6.8.9.10.14), enfatiza que a salvação e justificação se dá pela graça de Deus: “sabereis que eu sou o Senhor” (37,13). Quase que como uma imagem da ressurreição individual (cf. Dn 12,2), a visão dos ossos ressequidos insiste no caminho da conversão, que consiste na volta a Deus e à comunidade restaurada em Jerusalém.

Ezequiel é o profeta da Esperança. Em meio as vicissitudes da história, dos dramas da vida, das crises e contradições, deixemos ressoar em nossos corações a promessa de vida nova da profecia de Ezequiel, capaz de reanimar nossas esperanças de salvação e de um futuro melhor: “porei em vós o meu Espírito e vivereis”.