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Pe. Eduardo Binna: "De modo sinodal, celebrar bem o mistério pascal"

Durante sua fala, o padre se mostra visivelmente entusiasmado ao falar daquilo que tanto motiva seu ministério: celebrar bem, em comunidade, o Mistério Pascal.

1 Mar 2024
Pe. Eduardo Binna
Doutor em Teologia pelo Pontifício Instituto Oriental de Roma

Em Março, Diocese em Ação entrevistou o padre Eduardo Binna, do clero da Arquidiocese de São Paulo. Doutor em Teologia pelo Pontifício Instituto Oriental de roma, o liturgista destaca a importância de boa formação litúrgica e catequética nas comunidades paroquiais para que, de fato, as liturgias sejam celebradas de modo adequado e, mais do que isso, sejam verdadeiro encontro com Deus. Relembra o aspecto sinodal da liturgia, sobretudo no resgate proporcionado pela Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II, favorecendo a participação mais efetiva e ministerial dos batizados.

A entrevista foi gentilmente concedida em Águas de Lindóia, durante a Atualização Teológico-Pastoral do Clero.

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Padre Eduardo Binna em formação para o clero diocesano em fevereiro 2024. — Imagem: Pe. Rodrigo Antonio da Silva

Em dezembro de 2023, a Constituição Sacrosanctum Concilium completou 60 anos. Como o senhor avalia as mudanças proporcionadas pelo Concílio Vaticano II e os desdobramentos da reforma Litúrgica?

Fico muito feliz ao observar a trajetória de nossa Igreja, sessenta anos após a publicação desse documento, que é uma Constituição sobre a Sagrada Liturgia. Estamos vivenciando esse grande tesouro que é a liturgia da Igreja renovada no Concílio Vaticano II. A Sacrosanctum Concilium ainda precisa ser descoberta em seus aspectos teológicos e normativos, mas, em suma, em grande parte, digamos, 80%, já está sendo colocado em prática. Isso representa uma grande riqueza para a nossa Igreja.

Muito se tem falado sobre a sinodalidade a partir da convocação do Papa Francisco para o Sínodo 2021-2024. Qual é a relação da sinodalidade com a liturgia?

A Igreja nasce sinodal, e a liturgia é sinodal. A sinodalidade, que é a vivência de nossa Igreja, tem que ser litúrgica e celebrativa.

Tem tudo a ver! A sinodalidade brota da liturgia, e a liturgia faz parte dessa unidade. É o mistério celebrado e vivido. Uma coisa só. A Igreja nasce sinodal, e a liturgia é sinodal. A sinodalidade, que é a vivência de nossa Igreja, tem que ser litúrgica e celebrativa. A Eucaristia que abriu o Sínodo nos mostra que não vivemos sem liturgia, e a sinodalidade nos impulsiona a celebrar, assim como a celebração nos impulsiona a viver em sinodalidade.

O senhor geralmente faz uma analogia entre o presbítero que preside a liturgia e o regente de uma orquestra. Como o senhor acredita que nossas paróquias podem adotar uma abordagem mais ministerial na liturgia?

Eu acredito que os leigos já compreendem o seu papel, mas a persistência da doença do clericalismo, que menospreza os leigos e não lhes proporciona oportunidades para exercerem suas funções, ainda é um desafio. É crucial investir na formação dos leigos. Na carta apostólica "Desiderio desideravi" sobre a formação litúrgica do povo de Deus, o Papa Francisco destaca a necessidade de formação litúrgica em todos os níveis e instâncias, uma formação consistente e aprofundada, não superficial.

Eu compartilho isso com base na minha experiência: quando realizo formações para os leigos, revelando esses pequenos tesouros da teologia litúrgica, eles os acolhem como se fossem pérolas preciosas e os incorporam em suas vidas cotidianas. Devemos acreditar nessa participação para que a orquestra da comunidade possa executar uma sinfonia bem coordenada, organizada e celebrativa. A participação precisa ser harmônica.

Em muitas comunidades há um grande apelo devocional. Como fazer uma transição do devocional para a celebração efetiva do mistério pascal?

Eu faço referência ao Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia, da então Congregação para o Culto Divino. Este é um documento pontifício que destaca toda a riqueza que a piedade popular contribui para a Igreja, sendo uma forma eficaz de evangelização que não podemos negar. Um exemplo é a oração do terço realizada em comunidade, que se torna uma verdadeira expressão de liturgia.

No entanto, é crucial orientar a piedade popular, pois ela não deve ser um fim em si mesma. Sua finalidade é conduzir ao mistério celebrado, ou seja, à liturgia. A celebração litúrgica não deve se tornar híbrida, transformando uma novena em uma missa. A missa possui sua própria natureza como celebração do memorial da Páscoa de Cristo. Portanto, não se deve instrumentalizar a liturgia com a piedade popular. Pelo contrário, a piedade popular deve nos guiar em direção à liturgia, sem obscurecer o mistério sagrado. Esse processo deve ser conduzido com educação, formação e orientação tanto para os padres quanto para os leigos.

Como o senhor percebe as influências externas que implicam em mudanças de costumes nas nossas comunidades?

Fui aluno do professor Piero Marini, mestre de cerimônias de São João Paulo II. Ele enfatizava que a liturgia papal de Roma é exclusiva do Bispo de Roma e não deve ser imitada por outros bispos ou padres, pois é característica daquela Igreja. Da mesma forma, a liturgia celebrada em nossas paróquias não deve imitar modelos das grandes mídias.

Eu expresso minha crítica a algumas emissoras de TV que influenciam nossas comunidades, incluindo cânticos que não são apropriados. Em muitos casos, prestam um desserviço à Igreja e à liturgia, ditando práticas que não condizem com o mistério celebrado. A escolha de cantos deve respeitar a liturgia, com cânticos apropriados para os tempos litúrgicos, domingos, festas e solenidades.

Graças a Deus, a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) tem avançado na promoção de cantos litúrgicos por meio de folhetos, manuais e liturgia diária. As celebrações transmitidas pelas grandes mídias muitas vezes apresentam uma defasagem significativa em relação ao que é próprio da nossa tradição.

As gerações mais jovens, por sua vez, podem demonstrar resistência aos cantos litúrgicos. No entanto, é crucial compreender a necessidade de celebrar genuinamente o mistério próprio de cada dia, em vez de buscar apenas a atratividade para um público mais jovem.

Como superar a dicotomia entre o que é permitido ou não permitido e o papel da música como um elemento atrativo nas celebrações?

O desafio é considerável. O canto litúrgico não deve ser tratado como uma mera peça decorativa na liturgia, mas sim como uma parte integrante dela. Por exemplo, em uma celebração de matrimônio, não é apropriado incorporar cantos de novelas ou temas de filmes, uma vez que o mistério celebrado é a união de Cristo com sua Igreja. Essa ocasião é um sacramento, não um evento social. Da mesma forma, na celebração da Eucaristia, cantamos sobre os mistérios da Quaresma, da Páscoa, do Advento e do Natal, conectando-nos ao mistério de Cristo.

O canto litúrgico não deve ser tratado como uma mera peça decorativa na liturgia, mas sim como uma parte integrante dela.

Observa-se uma influência significativa de músicas gospel e protestantes em nossa liturgia, o que é prejudicial, pois muitas dessas músicas são ideológicas. Elas adentram com a intenção de distorcer e converter os católicos a uma ideologia distinta, carecendo da tradição e doutrina próprias, buscando influenciar nossas igrejas. Trata-se de um canto intencional e ideológico que exerce influência.

Em relação à questão da atratividade, é necessário avançar conforme a Sacrosanctum Concilium, que fala sobre a inculturação em todos os aspectos, inclusive na música litúrgica. Embora às vezes a música polifônica ou gregoriana possa não corresponder à nossa cultura, devemos dar passos em direção à música brasileira, inculturada na liturgia e que esteja em consonância com o mistério celebrado. No entanto, discordo do critério de torná-la mais atrativa. Se possuímos uma catequese de evangelização, uma catequese litúrgica que compreenda o mistério celebrado, não devemos aceitar cantos que não evidenciem ou estejam em sintonia com esse mistério. O canto não é um apêndice, um adorno ou uma peça à parte; muitas dessas músicas simplesmente não correspondem.

No que diz respeito aos gestos na liturgia, como podemos auxiliar as pessoas a entenderem o significado da gestualidade da assembleia na celebração?

Os gestos desempenham um papel fundamental em nossa liturgia, enraizados em nossa tradição. Um exemplo é a recente inclusão no Missal da monição para o Pai-Nosso, durante a qual todos elevam os braços. Esse gesto remonta à antiguidade da Igreja, sendo um gesto bíblico, visto que, na hora de sua Paixão, Jesus estendeu os braços, conforme mencionado na Oração Eucarística III. Assim, nossa oração litúrgica reflete a oração de Cristo, e ao levantarmos os braços junto a Ele, dirigimos nossa prece ao Pai em Cristo, por Cristo e com Cristo. Os gestos são influenciados por diferentes culturas; por exemplo, em Portugal, não é comum aplaudir durante a liturgia, enquanto no Brasil essa prática é mais frequente. A tradição judaica, conforme os Salmos, exorta a bater palmas, cantar e dançar ao Senhor.

É importante destacar que a Instrução Geral do Missal Romano, na terceira edição, enfatiza que os gestos não devem ser realizados de maneira arbitrária. Não temos a liberdade de adotar gestos aleatórios, pois nossa postura na liturgia deve conformar-se à liturgia da Igreja e aos gestos por ela propostos. Por exemplo, em relação ao ato penitencial, embora esse rito seja frequentemente supervalorizado, a instrução esclarece que ele pode ser omitido em determinadas situações. Vale mencionar que a posição recomendada para toda a assembleia nesse momento é permanecer de pé.

Já que estamos falando de celebração e sinodalidade, o senhor vê nessa questão dos gestos isolados um traço de um certo individualismo?

Eu destaco que essa tendência vai além do individualismo; é uma influência protestante, onde a interpretação da Palavra de Deus é vista como livre, sem regras. Na Igreja Católica, ao contrário, buscamos uma unidade na interpretação da Palavra, orientada pela doutrina e tradição. Os gestos durante a liturgia visam representar a unidade da assembleia que celebra. Por exemplo, permanecer de pé simboliza estar de pé com o Ressuscitado, com Cristo. É interessante observar que a Ceia Pascal judaica era celebrada em pé, e na Última Ceia de Jesus, eles estavam sentados sobre almofadas, em uma sala ampla. É crucial corrigir eventuais abusos e gestos inadequados durante a celebração, garantindo que estejam em conformidade com o significado do momento litúrgico, e não devem ser realizados sem devida consideração.

Os leigos têm alguma coisa a ensinar também aos padres, àqueles que presidem as celebrações?

Eu acredito que sim, especialmente no que diz respeito à homilia. Muitas vezes, recebo críticas sobre a extensão da homilia, que, por vezes, ocupa cerca de 40 minutos de uma celebração, enquanto, ao chegar à Oração Eucarística, percebe-se uma pressa significativa para a concluir rapidamente. Deve existir uma harmonia entre a Palavra e a Eucaristia. Entre os ritos iniciais e a proclamação da Palavra, por exemplo, uma meia hora, e entre a celebração da Eucaristia e a bênção final, também uma meia hora. É fundamental estabelecer um equilíbrio adequado entre essas partes, e os leigos têm uma sensibilidade aguçada em relação a essa questão.

Diante da escassez de padres, algumas comunidades precisam optar pela Celebração da Palavra, e há resistência por parte de algumas pessoas em participar desse tipo de celebração aos domingos. Como o senhor abordaria essa situação?

O domingo é o Dia do Senhor, uma ocasião de encontro com Ele. No Brasil, aproximadamente 70% das comunidades não possuem um ministro ordenado para presidir a Eucaristia, levando-as a celebrar a Palavra de Deus. Essa celebração é uma vivência do mistério pascal e uma oportunidade de encontro com o Senhor.

Participo, em comunhão, do Cristo Ressuscitado durante a celebração da Palavra, especialmente ao escutá-la. Em muitas dessas celebrações, a comunhão eucarística também ocorre. Embora o desejável seja ter muitos ministros ordenados para as missas, a educação do povo é fundamental para compreender o valor efetivo da Palavra.

A respeito do momento da comunhão, nem sempre tão valorizado, como deve ser considerado?

É o momento ápice de toda a celebração. É tudo aquilo que foi proclamado na Palavra e celebrado na Oração Eucarística. Agora se atualiza com a minha participação no Corpo e Sangue de Cristo. Eu estou “eucaristizado”, porque comi e bebi do corpo do Senhor e agora estou pronto para viver a missão e vivenciar isto. 

A maior benção que nós temos na Igreja é a comunhão do Corpo e Sangue do Senhor. Não existe outra maior. Por isso precisamos fazer catequese para corrigir essa deficiência.

A maior benção que nós temos na Igreja é a comunhão do Corpo e Sangue do Senhor. Não existe outra maior. Por isso precisamos fazer catequese para corrigir essa deficiência. Por exemplo, quando alguém, logo que comunga, entra na capela do Santíssimo, se ajoelha para adorar em frente ao sacrário, sendo que a pessoa está com Cristo. A pessoa precisa ter consciência da presença sacramental de Cristo nela. Não é um momento devocional, mas de contemplação, é um nível mais elevado. Precisamos evangelizar e educar catequeticamente o nosso povo.

Como o senhor percebe que seria mais apropriado oferecer formação ou catequese litúrgica, considerando que nem todos estão dispostos a participar de momentos formativos?

A formação litúrgica ideal compreenderia momentos específicos fora das celebrações regulares, direcionados aos ministros extraordinários, leitores, coroinhas, cerimoniários e membros do ministério de música. Esta abordagem permitiria uma formação mais aprofundada, despertando a consciência sobre gestos, ritos e a totalidade da celebração litúrgica.

No entanto, reconhecemos que muitos fiéis podem não participar desses momentos de formação. Nesse contexto, o padre desempenha um papel crucial ao orientar a assembleia durante a celebração, destacando o significado teológico de gestos e ritos específicos. Por exemplo, esclarecer que o ato penitencial não perdoa os pecados. Esses breves momentos de instrução, embora não muito extensos, contribuem para a compreensão da assembleia.

É importante ressaltar que a liturgia em si é instrutiva e catequética. Uma celebração bem conduzida, em sintonia e harmonia, naturalmente inspira a formação de um corpo uníssono, onde os fiéis desejam compreender e participar mais plenamente.

 

Pe. Eduardo Binna

Doutor em Sciencia Eclesiastica Orientale - Pontifício Istituto Orientale (2017). Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Teologia Sistemática, atuando principalmente nos seguintes temas: relações étnico-raciais, lúdico criatividade diversão, história e etnologia, liturgia tempos líquidos bauman e espiritualidade liturgia.

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